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Rafael Lara Martins para o site JOTA.

 

“A LGPD se aplica desde a fase pré-contratual, em que há o recebimento de currículos com dados pessoais”.

Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista?
Pergunte ao Professor!” dedicado a responder às perguntas dos leitores do
JOTA, sob a Coordenação Acadêmica do Professor de Direito do Trabalho e
Mestre nas Relações Trabalhistas e Sindicais, Dr. Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas
sempre às sextas-feiras. E a você leitor que deseja ter acesso completo às
dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com
a # pergunte ao professor.

 

Neste episódio de nº 40 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:
Pergunta ► Quais os impactos práticos da LGPD nas relações trabalhistas?
Resposta ► Com a palavra, o Professor Rafael Lara Martins.

A sigla LGPD, abreviação para Lei Geral de Proteção de Dados, tornou-se
expressão presente no vocabulário dos brasileiros no último ano. Isso
porque essas quatro letras abreviam uma Lei com nome e sobrenome – Lei
13.709, de 14 de agosto de 2018 – e que pode causar grande impacto,
alterando as relações existentes entre de empresas, clientes, fornecedores e,
conforme será abordado nesse artigo, a delicada dinâmica das relações
empregado/empregador.

Em nosso país, até a promulgação da LGPD em agosto de 2018, as normas
que tratavam sobre dados pessoais apareciam de modo indireto e disperso
em nosso ordenamento jurídico. Podemos citar entre essas previsões os
comandos do art. 5º, incisos, X, XI e XII, da Constituição Federal, dos arts. 20
e 21 do Código Civil, do art. 201, §6°, do Código de Processo Penal, além do
Marco Civil da Internet. Porém, com a criação da LGDP, o Brasil passou a
integrar o grupo de Estados-nações que tem sistema normativo próprio para
tratar da matéria, como acontecia, por exemplo, na União Europeia com a
GDPR (General Data Protetion Regulation).

Ao observarmos as legislações internacionais que tratam do tema,
percebemos que a maioria delas aponta de modo específico como
acontecerão as interações Empregado/Empregador, situação essa não
prevista diretamente na norma brasileira, sendo tal fenômeno facilmente
explicável a partir da análise histórica do momento de criação da LGPD. No
fim do ano de 2017 foi aprovada no Brasil a Lei 13.467/2017 – Reforma
Trabalhista – e durante os anos de 2018 e 2019 muitos foram os debates, e
até mesmo Propostas de Emenda à Constituição Federal, para acabar com a
Justiça do Trabalho como órgão autônomo do Poder Judiciário. Diante
desse cenário, restou claro que, por opção legislativa, não foi incluída
nenhuma previsão relativa às relações de trabalho na LGPD.

Entrementes, mesmo carente de previsão específica relacionada às relações
laborais, a LGPD sem dúvida alguma a elas se aplicam. Aliás, oportunas as
lições de Miguel Reale, grande jurista brasileiro, que asseverava “Uma lei
nasce obedecendo a certos ditames, a determinadas aspirações da
sociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas o seu significado não é
imutável”, ou seja, mesmo sem previsão específica, as relações de trabalho
estão resguardadas pelos importantes princípios insertos no texto da Lei
Geral de Proteção de Dados.

São a base da proteção de dados pessoais os princípios da Publicidade:
garantia de que a existência de banco de dados deve ser de conhecimento
do público; Exatidão: garantia de informações féis à realidade e
possibilidade de atualizá-las periodicamente; Finalidade: garantia de que os
dados sejam utilizados para fins determinados – devendo o titular ser
informado sobre eles antes da coleta; Livre acesso: garantia de que o
interessado terá acesso aos arquivos que contém seus dados, além de
poder controlá-los – de acordo com o princípio da exatidão; Segurança
física e lógica: garantia de que os dados serão protegidos contra perdas,
destruições, modificações, transmissões ou acessos não autorizados. Logo,
claro está ser inegável que tais princípios devem permear todas as relações
de trabalho existentes no país, até porque muitos princípios já são aplicados
– quem nunca ouviu que aquela pasta no servidor ou sala da empresa só
poderia ser acessada pelos empregados do Recursos Humanos, pois lá
estavam guardados os dados dos empregados?

Fato é que existem alguns pontos que demandam atenção. A LGPD nas
relações trabalhistas se aplica desde a fase pré-contratual, em que há o
recebimento dos currículos dos candidatos a uma determinada guarda. É
interessante que a autorização para armazenamento dos dados exista, bem
como a autorização para compartilhamento dos dados com a qualidade
específica informada. Um bom exemplo é o compartilhamento desses dados
entre agências de emprego. Por outro lado, não poderia haver o
compartilhamento das informações para uma agência de publicidade que
busca contato com potenciais consumidores, já que, em uma situação como
essa descrita, haveria o desvio de finalidade.

Ainda na fase pré-contratual é necessário que a discriminação seja evitada, o
que pode acontecer a partir das informações solicitadas no processo
seletivo. A própria LGPD tem como princípio a não discriminação, o que
reforça os entendimentos já solidificados no âmbito trabalhista, que proíbem
a discriminação de candidatos devendo a recusa acontecer em decorrência
de eventual incompatibilidade técnica para a função a ser desempenhada.

Na fase contratual o próprio contrato de trabalho passa a ser um documento
composto por dados pessoais, o que amplia a responsabilidade quanto à
guarda dessas informações por parte do empregador. Os contratos devem
conter cláusulas específicas relacionadas ao consentimento para o uso dos
dados das informações dos colaboradores, quando o uso não estiver
baseado no cumprimento de alguma obrigação legal.

Lado outro, se fazem necessárias também cláusulas que expressem a
responsabilidade do colaborador quanto à guarda das informações que ele
possa ter acesso em decorrência da atividade desempenhada dentro da
instituição. Sendo a LGPD uma legislação nova e que requer um forte
trabalho educacional para que se torne efetiva, os colaboradores precisam
ser treinados e capacitados para que possam saber quais são as suas
responsabilidades diante das previsões trazidas pela lei e das normativas
internas das empresas.

O treinamento é extremamente necessário, pois, nos casos de incidentes de
segurança com os dados, a depender da situação, será necessária a
apuração da conduta do colaborador para compreender se houve culpa ou
dolo, e sua consequente responsabilização contratualmente prevista, sendo
que sem a devida capacitação torna-se inviável a responsabilização do
colaborador diante de uma conduta realizada e que possa ter ocasionado o
vazamento ou a utilização inadequada de dados. As falhas ocorridas podem
gerar consequências contratuais para a empresa, como as multas e até
mesmo danos à reputação da marca. Por esse motivo, também será
necessário identificar, nas operações de tratamento de dados que serão
realizadas, quem são os operadores e controladores justamente para que a
responsabilização possa ser realizada de modo adequado.

Em todas as relações de trabalho existem vários documentos que precisam
ser armazenados diante das obrigações legais delimitadas por diversos
órgãos públicos e, mais, há ainda a necessidade de guarda para
comprovação das informações relacionadas ao período em que o
colaborador esteve vinculado a empresa. É preciso então observar os prazos
prescricionais de cada obrigação para elaboração da política de eliminação
de dados que deve abarcar os dados dos colaboradores, sem que isso possa
representar prejuízo posterior para instituição.

Com as delimitações trazidas pela LGPD quanto às responsabilidades do
Controlador, outra discussão necessária é a escolha da modalidade de
contratação. É preciso analisar se o formato escolhido proporciona a
possibilidade de fiscalização e privacidade dos dados a serem tratados em
determinados setores. Para que se compreenda a questão, basta um
exemplo simples: se haverá em minha empresa função em que a pessoa, ou
a empresa que irá prestar o serviço, terá acesso a todos os dados pessoais e
sensíveis dos meus colaboradores e/ou clientes, qual modalidade de
contratação irá proporcionar maior segurança ao empregador? Em ambas
as possibilidades surgem novos pontos de atenção que precisam ser
ajustados no momento da contratação, seja via contrato regulamentado pelo
Código Civil, ou por uma contratação regulamentada pela CLT.

Fato é que o mundo passa por uma grande transformação digital, sendo
essa mudança acelerada pela pandemia de COVID-19, que alterou
radicalmente o modo de nos relacionarmos. Porém, é importante não perder
de vista que toda transformação tecnológica passa por pessoas e por elas é
operacionalizada. Vale lembrar o que foi apontado por Maurício Requião.

O mundo, especialmente ao longo da última década, foi moldado para extrair
dados dos usuários da Internet em escala massiva. Estes dados, reunidos e
processados através do que se convencionou chamar de Big Data, que
permite a obtenção de informações e o poder de influenciar condutas, em
escalas até o presente momento ainda não inteiramente esclarecidas.
Assim, os dados pessoais são transformados em importante ativo comercial
das grandes empresas de tecnologia do mundo, com o claro objetivo de
obtenção de capital, além de outros até o momento não tão claros assim[1].

Por todo o exposto, resta evidente que o legislador deveria ter regulado de
modo específico as relações de trabalho, sendo provável a geração de
inúmeros conflitos nessa seara, que inevitavelmente serão resolvidos caso a
caso na Justiça do Trabalho com a aplicação da LGPD pelos profissionais
que lá atuam, sejam juízes, promotores, peritos e advogados e todos os
demais envolvidos. Por isso, torna-se tão urgente a implantação,
acompanhamento e estudo dessa não tão nova legislação.

 

[1] REQUIÃO, Maurício. Covid-19 e proteção de dados pessoais: o antes, o
agora e o depois. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-abr-
05/direito-civil-atual-covid-19-protecao-dados-pessoais-antes-agora-depois
Acesso em 06 de abril de 2020

RAFAEL LARA MARTINS – Advogado. Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas.
Doutorando em Direitos Humanos. Conselheiro Federal da OAB, Diretor-Geral da Escola Superior
de Advocacia da OAB/GO. Vice-presidente da Comissão Nacional de Compliance do Conselho
Federal da OAB.

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PDF ENTREVISTA RAFAEL LARA MARTINS LGPD NAS RELACOES TRABALHISTAS