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Por Lara Nogueira

Difícil é imaginar, atualmente, uma mulher que, em toda a sua existência, não tenha sofrido qualquer violação contra a sua dignidade sexual, que vão desde situações corriqueiras do cotidiano a fatos mais graves que se estendem durante um longo período: uma cantada deselegante ao sair na rua; a tentativa de um beijo “roubado” em uma balada ou até mesmo, ameaças no próprio local de trabalho.

Com base nesse tipo de ações e levando em consideração que o carnaval é uma das festas mais esperadas do ano, mas que nessa data evidenciam-se grandes casos de assédio contra as mulheres, no ano de 2017, um coletivo de mulheres criou, no Rio de Janeiro, após uma das integrantes ter sofrido uma das modalidades de assédio em um bloco de rua, a campanha “Não é Não!”, que se repetiu nos anos de 2018 e 2019 e se estendeu para outras partes do Brasil, como São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Pernambuco, Salvador, Paraná, Pará e Goiás.

Referida campanha tem por objetivo a promoção da educação para que as pessoas entendam o que é assédio e o que é respeito, afinal, este deve prevalecer acima de qualquer situação ou ambiente.

O local de trabalho, infelizmente, é um ambiente onde esse tipo de ação acontece e, em regra, traz inúmeros prejuízos à pessoa que é vítima da ação de assédio, em que se pode citar prejuízos sociais, econômicos, financeiros e, principalmente, psicológicos.

A saúde e a segurança dos trabalhadores integram o rol de direitos humanos e fundamentais resguardados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal. Nesse sentido, os trabalhadores têm direito de desenvolverem suas atividades em um ambiente saudável e digno, bem como ter respeitada sua liberdade sexual.

Quando uma empregada tem sua liberdade sexual violada inúmeros direitos e garantias individuais protegidos pela Constituição Federal são violados, dentre eles: o direito à igualdade; à liberdade; o direito de não sofrer tratamento desumano ou degradante; o direito de ter respeitada a intimidade, a vida privada e a honra. Essa violação atenta, portanto, contra a integridade física, psicológica e econômica da empregada, pois retira o seu direito de trabalhar em um ambiente saudável e seguro, abala a confiança, a auto estima, causa tensão emocional, o que pode refletir na redução da produtividade e da atenção, aumentando o risco de ocorrência de acidentes, inclusive.

Além disso, a sociedade como um todo também sofre as consequências, uma vez que os objetivos de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação também são desrespeitados.

Situações de assédio sexual ocorrem por atos, insinuações, contatos físicos forçados e convites impertinentes com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função. Para que seja identificada a prática do assédio sexual não há necessidade de contato físico entre os envolvidos. Ainda que a situação não configure legalmente a hipótese de assédio sexual, por não atender a todas as exigências da lei trabalhista, a conduta inadequada pode caracterizar desrespeito grave, constrangimento ilegal, estupro, violação sexual mediante fraude ou importunação sexual.

É importante ressaltar que o empregador possui total responsabilidade de escolher, capacitar e orientar todos os seus colaboradores, fiscalizar atividades e comportamentos e, caso verificada alguma irregularidade, utilizar de seu poder de punição, denominado poder potestativo, para apurar a verdade dos fatos e adotar as providencias cabíveis.

Ressalta-se, ainda, que a empresa pode responder em juízo pela indenização decorrente do constrangimento, considerando a sua responsabilidade objetiva, que significa que o empregador responde pelos danos causados pelos seus empregados, sem investigação de sua culpa, pois é responsabilidade da empresa zelar por um meio ambiente do trabalho

sadio.

Em caso de identificação pelo empregador de quaisquer ações de um empregado com o outro que violem a dignidade sexual, é possível a aplicação de justa causa. Cabe dizer, ainda, que ao empregado que vier a sofrer qualquer desses atos, é assegurado o pedido de rescisão indireta na Justiça do Trabalho e, ainda, indenização por dano moral.

O assédio sexual é crime e encontra-se tipificado no artigo 216-A do Código Penal, e sua prática pode, ainda, ter repercussão na esfera cível, com o intuito de compensar a pessoa ofendida pelo prejuízo sofrido.

Esse assunto muitas vezes é menosprezado e subestimado pelas pessoas e pelos profissionais que deveriam defender as vítimas e coibir a prática dessas ações, e é até mesmo, ridicularizado, pois existe uma cultura machista influente que ainda encontra-se arraigada na sociedade e que dificulta o reconhecimento do assédio como uma discriminação e como uma violência contra a liberdade sexual.

Felizmente, uma outra parte da sociedade está em estado de alerta para esse tipo de situação e busca, por meio de campanhas como a “Não é não!”, o combate dessas práticas. O que espera-se verdadeiramente é que essas campanhas deixem de existir em um futuro próximo, em razão das pessoas terem aprendido que, independente do cargo ocupado, do gênero, do sexo ou de qualquer outra característica, o respeito ao próximo deve prevalecer sempre.